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O que o STF dirá do futuro da execução trabalhista?

Tema 1.232 deve ser julgado pelo Supremo em agosto

Um dos temas mais importantes para a efetividade da execução está na pauta do STF. Trata-se do Tema 1.232 de Repercussão Geral. O que se esperar desse julgamento? Como o STF tem enfrentado a matéria? Como compatibilizar a decisão com o artigo 926 do CPC, que indica a necessidade de preservação da estabilidade, coerência e integridade na atuação dos tribunais? Quais efeitos produzirá na jurisdição trabalhista?

Essas e outras perguntas remetem à natureza da questão jurídica objeto da controvérsia e à jurisprudência do STF, objetos de análise nesse texto, para auxiliar na obtenção das respostas.

Natureza da questão afetada

Ao reconhecer a existência de repercussão geral, afirmou-se, entre outros fundamentos, que a inclusão de empresas componentes do grupo econômico na fase de execução trabalhista poderia violar a Súmula Vinculante 10, que consagra a “cláusula de reserva de plenário”, além do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Trata-se, pois, de questão de natureza processual.

A observação se justifica em razão de existir a figura autônoma de grupo econômico trabalhista, criada pela Lei 435, de 17/05/1937, com o objetivo de “resguardar os empregados dos grupos industriais de possíveis perdas de direitos ou vantagens que a legislação social lhes confere, tais como férias, contagem do tempo, etc.” Portanto, a sua existência precede à existência da própria CLT, que o incorporou posteriormente no seu artigo 2º, § 2º.

O reconhecimento consta na exposição de motivos da consolidação, com a indicação de o grupo ser, por ficção legal, empregador único, para os fins de responsabilização quanto ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho. Confira-se:

“Na introdução (a Consolidação) aperfeiçoou a redação dos artigos; inseriu a definição de empregador, que integra o conceito definitivo de relação de emprego, acompanhando-o da noção de empregadora única dada pela Lei 435, de 17.5.1937”.

Essa importante figura jurídica, nascida há mais de 88 anos, foi ampliada pela Lei 13.467/2017, que introduziu no âmbito da norma definidora do grupo econômico urbano a mesma configuração que existia, desde 1973, na legislação pertinente ao trabalho rural (artigo 3º, § 2º, da Lei 5.889/1973), ao afastar a necessidade de relação hierarquizada entre as empresas para considerar suficiente a existência de relação de coordenação entre elas (artigo 2º, § 3º, da CLT).

Portanto, não são objeto de questionamento o pressuposto da responsabilização (integrar o grupo econômico), a natureza da responsabilidade (solidária) ou como se constitui o grupo econômico trabalhista (demonstração do interesse integrado, efetiva comunhão de interesses e atuação conjunta das empresas dele integrantes).

O debate restringiu-se ao campo processual, em virtude de previsão expressa em dispositivos legais cuja constitucionalidade não é questionada (artigo 2º, §§ 2º e 3º, da CLT).

Jurisprudência do STF em decisões trabalhistas

Anteriormente à vigência do CPC de 2015, a jurisprudência do STF era pacífica no sentido de afirmar que decisão que interpreta e aplica ao caso concreto legislação infraconstitucional, sem declaração de inconstitucionalidade ou afastamento da norma com base no texto constitucional, não viola a “Cláusula de Reserva de Plenário” ou a Súmula Vinculante 10.

A tese foi reproduzida pelo ministro Gilmar Mendes, em julgamento, à unanimidade, pelo Tribunal Pleno e nele são citados julgados das duas Turmas:

“Registro, ainda, que é permitido aos magistrados, no exercício de atividade hermenêutica, revelar o sentido das normas legais, limitando a sua aplicação a determinadas hipóteses, sem que estejam declarando a sua inconstitucionalidade. Se o Juízo reclamado não declarou a inconstitucionalidade de norma nem afastou sua aplicabilidade com apoio em fundamentos extraídos da Constituição, não é pertinente a alegação de violação à Súmula Vinculante 10 e ao art. 97 da Constituição.

Como precedentes da Corte que ratificam essa orientação, registro o RE-AgR 572.497, rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJe 28.11.2008; e o RE-AgR 585.401, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 1.2.2011”.

Com a vigência do CPC, a controvérsia adquiriu novos contornos jurídicos, em face do artigo 513, § 5º, e, ainda assim, a jurisprudência preservou a tese firmada anteriormente, em acórdãos que rejeitaram reclamações em que foram questionadas decisões oriundas da Justiça do Trabalho.

Em virtude da relevância, cito, por todos, acórdão relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso que se valeu da precedência da Lei de Execuções Fiscais como fonte supletiva primeira da execução trabalhista (art. 889 da CLT) e afirmou a inaplicabilidade do artigo 513, § 5º, do CPC às execuções trabalhistas (destaques postos):

“DIREITO DO TRABALHO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECLAMAÇÃO. ALEGADA OFENSA À SÚMULA VINCULANTE 10. CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. 1. Agravo interno em reclamação ajuizada em face de decisão que imputou responsabilidade solidária, por débitos trabalhistas, a empresa pertencente ao grupo econômico da controladora da devedora principal. Alegação de que foi afastado o disposto nos arts. 2º, §§ 2º e 3º, e 448-A, da CLT e no art. 513, § 5º, do CPC, sem a observância da cláusula de reserva de plenário, em afronta à Súmula Vinculante 10. 2. Ao concluir pela responsabilidade da empresa sucedida pelos débitos trabalhistas da sucessora, a decisão reclamada não declarou a inconstitucionalidade dos arts. 2º, 3º e 448-A da CLT, mas verificou as condições fáticas para a incidência das referidas normas ao caso concreto. 3. A possibilidade de redirecionamento da execução contra quem não participou do processo de conhecimento tem previsão na Lei de Execuções Fiscais – que, nos termos do art. 889 da CLT, é fonte normativa de aplicação subsidiária para as execuções trabalhistas. O art. 513, § 5º, do CPC, que interdita essa possibilidade no processo civil, não se aplica às execuções trabalhistas por decorrência lógica do sistema normativo, não de uma forma velada de declarar sua inconstitucionalidade. 4. Agravo interno a que se nega provimento”.

Como visto, a jurisprudência do STF manteve-se estável, íntegra e coerente no sentido da inexistência de violação constitucional à hipótese.

O reconhecimento da caracterização de grupo econômico de fato e a responsabilização de empresas não integrantes do processo originário: o caso Starlink

A possibilidade de responsabilização de empresa que não integrou a relação processual originária como medida necessária à garantia do cumprimento de obrigação fixada em decisão judicial não é estranha à jurisprudência do STF.

Muito ao contrário, a tese foi chancelada pela 1ª Turma em votação unânime (com ressalva do mnistro Luiz Fux) no caso que envolveu o descumprimento de ordem judicial por parte das empresas Twitter International Unlimited Company, T. I. Brazil Holdings Llc e X Brasil Internet Ltda, ensejou a imposição de multas diárias e consequente bloqueio de contas bancárias.

Diante da inexistência de saldo suficiente, a ordem foi redirecionada para as empresas Starlink Brazil Holding Ltda e Starlink Brazil Serviços de Internet, do mesmo grupo econômico e, até então, estranhas ao processo. O ministro relator, Alexandre de Moraes, entre outros fundamentos, citou grupo econômico trabalhista e a jurisprudência do STJ para embasar a solidariedade reconhecida:

“X BRASIL, STARLINK BRAZIL HOLDING LTDA e STARLINK BRAZIL SERVIÇOS DE INTERNET constituem, em território nacional, juntamente com a SPACE X (estrangeira), o que em nosso ordenamento jurídico se denomina “grupo econômico de fato”, pois, embora sem um ajuste formal expresso, e, mesmo sendo sociedades empresárias autônomas e distintas entre si, atuam sob a mesma coordenação e comando de ELON MUSK e com objetivos absolutamente convergentes.

(...)

A responsabilidade solidária das empresas componentes de um mesmo grupo econômico de fato é reconhecida no Direito brasileiro na própria legislação, no que concerne aos passivos trabalhistas (Consolidação das Leis do Trabalho, art. 2º, parágrafo 2º), bem como pela jurisprudência pacificada do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no contexto do Direito Civil (AgInt no Aresp 2.344.478/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 21/11/2023) e do Direito Tributário (REsp n. 1.808.645/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/6/2023, DJe de 28/6/2023)

(...)

Diante disso configurada a existência de “grupo econômico de fato” entre a X BRASIL INTERNET LTDA, a STARLINK BRAZIL HOLDING LTDA e a STARLINK BRAZIL SERVIÇOS DE INTERNET., determinei a responsabilidade solidária de todas as empresas para adimplemento das multas diárias decorrentes de desobediência às ordens judiciais.”.

Ele analisou, entre outros, aspectos fáticos relacionados à constituição do capital, à composição societária, à administração das empresas e ao relacionamento da empresa brasileira com a matriz estrangeira.

Não se questionou o possível obstáculo previsto no artigo 513, § 5º, do CPC, nem se instaurou incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 133 do CPC), em virtude do claro descumprimento da decisão proferida, tal como ocorre em decisões da Justiça do Trabalho que afirmam ser o grupo empregador único e, por isso, é permitido ao responsável deduzir as defesas cabíveis na fase própria. Portanto, o contraditório não é suprimido; apenas é diferido.

O STF seguiu a linha da jurisprudência firmada.

Exame dos votos proferidos no julgamento da Repercussão Geral

O julgamento do mérito do Tema 1.232 foi iniciado na sessão virtual de 3/11/2023 a 10/11/2023, oportunidade em que o ministro relator, Dias Toffoli, inicialmente, delimitou a questão constitucional e manteve a natureza processual.

No mérito, reafirmou a jurisprudência consolidada e afastou a alegada violação constitucional “quando o Tribunal de origem nem sequer adentra na análise do art. 513, § 5º, do CPC, apenas interpretando e aplicando ao caso concreto outras normas mais específicas”.

Antes, reconheceu ser possível incluir, na execução trabalhista, empresa integrante de grupo econômico, pois “vedar completamente o redirecionamento seria um retrocesso enorme e colocaria em risco os direitos sociais assegurados na Constituição”.

Apesar dessa conclusão, afirmou que deve ser propiciada a oportunidade “para que, assim desejando, possa se manifestar, produzir provas das próprias alegações (ou contrapor as já anexadas aos autos) e efetivamente influir no convencimento do juiz quanto à configuração de tal situação fática e jurídica, apta a ensejar, nos termos da lei trabalhista, a sua responsabilidade solidária”, para o que se faz necessária a instauração do “incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no art. 133 a 137 do CPC, com as modificações constantes do art. 855-A da CLT”.

Em seguida, fixou a seguinte tese em Repercussão Geral:

“É permitida a inclusão, no polo passivo da execução trabalhista, de pessoa jurídica pertencente ao mesmo grupo econômico (art. 2º, §§ 2º e 3º, da CLT) e que não participou da fase de conhecimento, desde que o redirecionamento seja precedido da instauração de incidente de desconsideração da pessoa jurídica, previsto no art. 133 a 137 do CPC, com as modificações do art. 855-A da CLT. Aplica-se tal procedimento mesmo aos redirecionamentos operados antes da Reforma Trabalhista de 2017”.

Todavia, ao destacar o processo, o ministro relator posteriormente reajustou o seu voto e incluiu na tese a expressão “devendo ser atendido o requisito do art. 50 do Código Civil (abuso da personalidade jurídica)”, matéria estranha ao acórdão que reconheceu a Repercussão Geral e contrária a decisões recentes do próprio STF, como no caso Starlink, a desafiar a incidência do disposto no artigo 926 do CPC.

Além disso, a tese afasta, indiretamente, o artigo 2º, § 2º, da CLT, com a redação atribuída pela Lei 13.467/2017, norma em plenas vigência e eficácia; representa a negação da autonomia jurídica do grupo econômico trabalhista, criado antes mesmo da CLT; e constitui inovação ao próprio debate, na medida em que a questão jurídica é exclusivamente de natureza processual, pois não está posta em xeque a natureza da responsabilidade ou os pressupostos de sua caracterização, conforme delineado na questão constitucional afirmada no voto.

Tal como proposta, ela compromete a efetividade da execução trabalhista, aumentará os índices de congestionamento das execuções fiscais e não fiscais na Justiça do Trabalho e criará para os tribunais trabalhistas a relevante tarefa de definir, em jurisprudência fundada nos princípios próprios do direito e do processo do trabalho, o que constitui “abuso da personalidade jurídica”.

Entre as suas acepções, abuso é uso incorreto ou ilegítimo; é excesso. No parágrafo único do artigo 50 citado, o desvio de finalidade se caracteriza pela prática de ato ilícito de qualquer natureza e, com base no artigo 186, assim age quem viola direito e causa dano a outrem, o que deixará em aberto inúmeras questões decorrentes da aplicação da tese.

Exemplos de algumas delas: o abuso estará representado pelo não cumprimento das obrigações regular e legalmente constituídas resultantes da celebração de contratos de trabalho? Quais argumentos seriam legítimos para justificar o inadimplemento, se o empregador, por definição, é quem assume os riscos da atividade econômica (artigo 2º da CLT)? O remanejamento de recursos oriundos da atividade empresarial para contas pessoais dos sócios é uso abusivo?

Custeio de despesas estranhas aos objetivos empresariais, inclusive dos sócios, é atividade regular da sociedade empresária? Realizar operações de crédito em nome de determinada empresa e ofertar bens pertencentes a outras empresas do grupo representa desvio de finalidade destas últimas? Transferência de recursos de uma para outras empresas do grupo constitui exercício regular dos deveres legais a elas atribuídos? O fundamento do Código Civil se aplica à fase de conhecimento, sequer questionada na Repercussão Geral? Ele afastará os dispositivos do CTN que autorizam a responsabilização do coexecutado?

Conclusão

Ao longo do texto, procurou-se demonstrar que a inclusão de empresas integrantes do grupo econômico trabalhista na execução foi abrigada em julgados do STF e se mostra inovadora a referência ao artigo 50 do Código Civil como fundamento para a responsabilização delas, dispositivo que se choca com o § 2º do artigo 2º da CLT, vigente, eficaz e específico à hipótese. O voto inicial do ministro relator refletia essa jurisprudência dominante, antes e depois da vigência do CPC. Espera-se que, a final, prevaleça, a teor do artigo 926 do CPC.